sexta-feira, 30 de dezembro de 2011


(...)Você chega todo compacto no espaço que lhe foi dado. Anda calmo, fala calmo, olha calmo, separa com seus dedos calmos a comida e a comida chega na sua língua antes da sua língua chegar na comida. Mas da sua pele saltam fúria, pressa e violência. Seus braços não ultrapassam os ombros, seus joelhos não ultrapassam os passos, você não cogita se ultrapassar porque sabe do que é capaz de causar quieto, num canto, quase atormentado. Me derramar em cima de você não é ignorar as estratégias antigas e óbvias de sedução. É só porque realmente não cabe. Não tenho espaço suficiente dentro dos meus ossos para a espiral que você faz com a minha atenção. Vou entrando, aos poucos e continuamente, dentro dos seus olhos e boca e orelhas e nariz. Você me faria ir de ônibus para o Japão sem Rivotril e esse é o melhor elogio que eu poderia fazer a um homem que, por enquanto, só está me olhando e me dizendo que também tem medo de ficar louco. Tudo porque seus buracos me chamam como se eu pudesse me esconder em você sem levar minha cabeça junto.
Tem uma coisa que parece fome e que faz a gente sair pras ruas. Animais eretos e perfumados. Camadas de cabelos, camadas de roupas, camadas de saltos, camadas de não. Tudo resguardando uma ânsia que nunca fica clara se é de colocar pra dentro ou se é de colocar pra fora. Dai a gente pede salada e fica cheia. Dai a gente bebe e fica esvaziada. E nada disso tem a ver com essa fome. Dai a gente segura firme o braço de uma pessoa. Troncos alheios e descartáveis para não afundar no mar gelado e escuro dos raros momentos em que a solidão parece o caminho mais difícil.
Mas no meio de tantas tentativas frustrantes de abrir com uma ponta fina de faca o peito coberto de mentira, existem ainda esses momentos em que o oxigênio entra tão branco e gelado e de longe, que notamos, não sem saudade, quão fétida, frágil, medíocre e quente é a nossa falsa segurança. Tenho agora um pêlo na garganta, me fazendo tossir e achar graça. Estou rindo e tossindo desde as nove da manhã. Não tenho vontade de cuspir o pêlo, de tomar banho, de separar os nós do meu cabelo, de tirar o disco do Caetano. Porque minha preguiça suja, a voz do Caetano e o ar que ainda guarda bem de leve o seu cheiro são os segundos finais do nosso encontro.
É por pessoas como você que eu não troco a tristeza da minha vida por nada.

Tati B.

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