quinta-feira, 27 de outubro de 2011


Em vez, portanto, de estarmos sempre e exclusivamente entretidos com os projetos e as preocupações com o futuro, ou de entregarmo-nos à nostalgia do passado, não deveríamos nunca nos esquecer que só o presente é real e só ele é certo; enquanto o futuro quase sempre sai diferente do que pensamos; e também o passado foi diferente do que hoje parece ter sido; e de tal forma que ambos têm menos significado do que parece. Só o presente é real e verdadeiro: ele é o tempo de fato preenchido, só nele está a nossa existência. Por isso, deveríamos dar-lhe sempre uma boa acolhida, desfrutando do conscientemente cada hora livre de adversidades imediatas, ou de dores; isto é, não turvá-lo com caras aborrecidas sobre esperanças frustradas no passado ou preocupações com o futuro. Porque é tolice afastar de si uma boa hora presente, ou estragá-la, voluntariosamente, por desgosto do que virá. Para desfrutar o presente, e portanto a vida toda, devemos sempre nos lembrar de que hoje só vem uma vez, e nunca mais. Mas nós imaginamos que ele volte amanhã; amanhã, entretanto, é outro dia, que também só vem uma vez. Nós nos esquecemos de que cada dia é uma parte integrante e, portanto, insubstituível da vida. Igualmente, apreciaríamos e gozaríamos o presente se, nos dias bons e saudáveis, tivéssemos sempre a consciência de como, nas horas de doença ou de tristeza, cada momento que passou sem dor nem privações nos aparece na lembrança como algo infinitamente invejável, como um paraíso perdido, como um amigo que não soubemos reconhecer.

Mas vamos vivendo nossos belos dias, sem percebê-los: só quando vêm os dias ruins é que desejamos que eles retornem. De cara aborrecida, deixamos passar mil horas serenas e agradáveis, sem gozá-las, para depois, nos momentos turvos, suspirar por elas em vão. Em vez disso, deveríamos honrar cada momento aceitável do presente, mesmo o cotidiano, que agora deixamos transcorrer tão indiferentes e que talvez empurramos impacientes, sempre lembrados de que, nesse exato instante, ele se precipita naquela apoteose do passado, em que, daqui por diante, banhado pela luz do que é perene, fica guardado pela memória, para aparecer – quando um dia esta levantar a cortina, especialmente numa hora amarga, – como um objeto da nossa mais íntima saudade.

Schopenhauer

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